domingo, 21 de junho de 2009

O paradoxo do simulador

No penúltimo post eu falei sobre a busca por padrões, um mecanismo humano de auto-preservação. Recebi dois e-mails pedindo pra eu explicar melhor a relação entre o estabelecimento de padrões e o futuro e por isso resolvi escrever esse texto, que complementa o anterior.

Algo inexplicável até hoje é o fato de não termos acesso epistemológico ao futuro, ou seja, não "lembramos" do amanhã assim como lembramos do ontem. Parece simples, mas nenhuma filosofia ou modelo científico consegue explicar porque temos essa relação unilateral com o tempo. Como consequência desse desconhecimento dos eventos vindouros, nós criamos certos padrões para que possamos fazer escolhas que nos dêem maior chance de sucesso (felicidade) ou menor risco de fracasso (frustração), essa é a minha teoria.

Por exemplo, se o céu está nublado, quem não gosta de se molhar sai de casa com guarda-chuva, mesmo sem saber se vai realmente chover. Se estamos num local isolado e escuro, e escutamos um barulho esquisito, ficamos atentos e/ou buscamos claridade, mesmo sem saber se o causador do som é um inseto inofensivo, uma fera selvagem ou qualquer outra coisa. Se uma mulher tem a razão (proporção) entre o comprimento da cintura e do quadril igual a 0,7 ela desperta o interesse do homem por parecer mais apta a perpetuar a espécie, independente de querer ter filhos. Relações como essas entre o céu nublado e a chuva, o barulho e o perigo, o contorno corporal e a perpetuidade são estabelecidas por cada um de nós e a todo instante estamos analisando a vida, consultando esses padrões registrados em nossa memória e tomando atitudes em função deles. E na medida em que supomos que vai chover, que seremos atacados ou que tal mulher dará a luz com mais facilidade estamos tentando prever o futuro. É assim que buscamos a "felicidade", é assim que tentamos construir a nossa "sorte".

Foi então que assistindo o filme "A mulher invisível" na semana passada, eu vi uma cena onde uma esposa se separava do cônjuge, argumentando que ele era o melhor marido do mundo e que o relacionamento entre eles era perfeito e, segundo ela, mulher nenhuma gosta disso. Na hora aquilo "bateu" mal e eu pensei imediatamente nas inúmeras vezes que ouvi mulheres dizendo que queriam "um amor pra vida toda", "um homem perfeito", "um relacionamento sem desentendimentos"... Fiquei me perguntando: será que as pessoas gostariam de saber o futuro ou não ?

Elaborei, então, um teste pra tentar responder essa pergunta. Algumas mulheres serviram de cobaias e o resultado foi um tanto paradoxal.
Primeiro eu criei uma situação hipotética onde existiria uma máquina com uma super tecnologia capaz de simular uma realidade perfeitamente, mais ou menos como a do filme Matrix. A diferença é que nessa minha versão seria possível escolher o próprio futuro antes de entrar na máquina, ou seja, a pessoa antes de ser conectada poderia definir como queria viver até que o seu corpo físico morresse. Eu até pensei em incluir a possibilidade de "lembrar" do futuro nessa realidade alternativa, mas achei que ficaria complexo demais imaginar esse cenário.
Feito isso, eu disse pra cada uma das minhas entrevistadas que elas tinham conquistado como prêmio, o direito de se conectar ao "simulador de realidade", desde que aceitassem permanecer assim pra sempre. Antes de serem ligadas ao equipamento, elas poderiam escolher nos mínimos detalhes a vida que quisessem levar, mas não teriam lembrança da existência desse processo de escolha. A nova realidade seria "perfeita" e pareceria uma continuação da realidade original, sem qualquer tipo de anomalia, singularidade ou descontinuidade.
Para os psicólogos: detalhes como defeitos no simulador, alimentação da pessoa, estímulo aos sentidos, etc, seriam 100% controlados de forma que a percepção da realidade original seria invariavelmente nula !

Curiosamente, todas responderam que recusariam o prêmio e que não se interessavam por uma vida pré-determinada. Os motivos foram diferentes, uma disse que as coisas boas e ruins faziam parte do crescimento pessoal, outra que o que ela quer pro futuro hoje, ela pode não querer amanhã e uma terceira, que preferia ter o direito de arriscar.
Apesar de ter sido uma pesquisa amadora eu me deparei com um paradoxo, já que essas pessoas tentam adivinhar o futuro o tempo todo, mas não gostariam de conhecê-lo antecipadamente, se isso fosse possível.

Refletindo sobre esse assunto, o que me ocorreu é que talvez as pessoas não saibam o que querem, apenas saibam o que não querem. Nesse caso, conhecer o futuro realmente seria irrelevante, já que só existimos no presente e só experimentaremos e reagiremos ao futuro quando ele chegar.
Entretanto, se é dispensável antever o futuro, só nos resta viver da melhor maneira possível o presente, mas viver de verdade o agora sem se preocupar com o que virá depois exige desprendimento, dinamismo, resiliência e rapidez, caraterísticas que esbarram na poderosa inércia psíquica. Bem, ninguém disse que seria fácil...

Ficou por fim uma curiosidade: Será que alguém gostaria de se ligar ao simulador ?


Saudações fraternais,

Fabio Machado.

5 comentários:

Raquel Med Andrade disse...

Olá, Fábio!!!
Suas entrevistadas foram bem pertinentes nos argumentos que alegaram.Eu poderia usar esses e outros mil fatores para rejeitar a tua proposta.No entanto, lembrarei de um único:a felicidade é um prêmio que só é entregue aos que ousam. E ousar, subentende vencer a paralisia provocada pelo medo. Não tem jeito Fábio, qualquer tipo de conquista exige a coragem para arriscar.E até quem "perde", ganha - experiência, jogo de cintura, e tudo o mais!
Beijos

Raquel Oliveira disse...

Nossa... Li seu texto e fiquei por minutos, pensando ...
Bem, pode parecer loucura, mas hoje ia te ligar para te falar de um texto que eu escrevi, mas não tive coragem de postar...rs
E fala um pouco do que escreveu.
Ontem fui ver este filme e completou totalmente o meu texto.
E digo: Temos que entender que o "ideal", que tanto procuramos, não existe. Só está na nossa imaginação criando o que queremos pra nós. O ideal é como um sonho, fantasia. É encontra você dentro daquilo que você espera que um outro seja ou faça.
Escrevi isso por me perguntaram o porque de não me entregar e demosntrar amor no começo de um relacionamento. Acho que as pessoas esperam muitas coisas, e muitas dessas coisas estão na imaginação.
O que me diz....
Vou te ligar mesmo assim...rs
bjos

MPP disse...

Já que suas entrevistadas não quiseram uma realidade projetada com o que elas gostariam de ter e elas sabem o que não querem, tente oferecer uma realidade (não uma virtual, mas uma mudança efetiva na realidade) em que as coisas que elas não querem sejam eliminadas...
Mas antes delas responderem elas tem que pensar nas consequências das coisas que elas não querem, não existirem por completo.
O que você acha que elas vão responder ?

Unknown disse...

Bem, por fazer física a questão do passado e futuro é algo recorrente no meu dia a dia.

Todos os dias vejo essa questão ser discutida com argumentos variados...

Mas pensando em seres humanos, todos gostam de serem bem surpreendidos. Não querem antever boas surpresas. Gostam tb de vencer grandes obstáculos.

Acho que a felicidade do inesperado é ser surpreendido. Escuto isso mesmo de físicos céticos e ateus... Sinal de que o mundo tem salvação...rs

Bem, vale acrescentar aqui que adoro discutir milhões de assuntos com vc, mas me resta pouco tempo pra te ler. Mas quando leio, adoro o q escreve. Vc certamente é um ser intrigante.

Beijos querido!

Elenita Rodrigues disse...

AMEI seu blog!